quarta-feira, junho 23, 2004

Núcleo Artérias - Por que nunca me tornei um(a) dançarino(a)?

Por nunca me tornei um(a) dançarino(a)?
Núcleo Artérias - dir. Adriana Grechi

A montagem foi baseada na obra Why I never became a dancer? da vídeo-artista Trace Emin, umas das mais consagradas desta nova geração de artistas britânicos.

Neste vídeo, como em outros trabalhos, ela expõe seus traumas pessoais relacionados a sua sexualidade e problemas familiares como forma de superação, e uma visão positiva da vida.

Como ela trabalha com este grau de auto-exposição, o espetáculo foi montado a partir das lembranças íntimas dos dançarinos, usando os movimentos extraídos das pesquisas, depoimentos e imagens gravadas nas cidades de cada um. Tudo remete a história particular de cada dançarino.

Mas, ao contrário da vídeo-artista, todos se tornaram dançarinos, trazendo uma dubiedade no tom do título. E, através desta oscilação entre a ficção e a verdade, o espetáculo constrói um conteúdo dramático ambíguo e fragmentado nas linguagens em diálogo. Os depoimentos são os principais responsáveis pela compreensão do teor pessoal das cenas criadas nas demais linguagens, posto que dão logo de início uma identificação vocal, assim contextualizando a cena com a história íntima de cada um. No entanto, há dois tipos de depoimento, o realizado ao vivo e o gravado e tocado em off, e duas possibilidades, a verdadeira em off e a fictícia/trocada ao vivo.

O estranhamento é dado pela ambigüidade dos fatos narrados pelos dançarinos ao vivo, que contam as histórias íntimas alheias como sendo deles. A coletivização da memória íntima de cada dançarino, causa um distanciamento entre o personagem e sua história, tornando-o vazio de verdade. A emoção é extraída da atuação, assim como todo sentimentalismo, característico da lembrança pessoal, não está presente nas mídias. Com a ambigüidade, não há veracidade, e sem emoção, não há verossimilhança. Há o distante.

Neste sentido, aquele alicerce verbal mais sólido se transforma no principal agente da dúvida, pondo em questão toda e qualquer possibilidade de verdade. Não se sabe qual dos dois depoimentos é verdadeiro, se é o ao vivo ou o gravado, ou mesmo se ambos não são falsos.

Assim, a compreensão fica dissolvida neste diálogo implícito das linguagens, posto que todas as mídias lidam com referentes conhecidos resignificados dentro de seu vocabulário. São pequenos momentos de conforto seguidos de outros de estranhamento e dubiedade, ambiente que propicia uma constante alteração dos signos interpretados pelo espectador.

Como este jogo não é explícito ao público, a construção das narrativas fragmentadas fica completamente entregue ao interpretante. Várias combinações são possíveis, assim como várias narrativas diferentes sobre o mesmo personagem. O dançarino representa um personagem que é ele mesmo. Mas a construção de sua história íntima está nas mãos do espectador, que pode chegar a descobrir e decifrar este jogo de autoria, ou não.


Espetáculo que estreiou dia 13 de maio, na mostra de Arte Britânica - 8o. Cultura Inglesa Festival


Sou integrante (músico/compositor/performer) do Grupo de Investigação Indisciplinar Núcleo Artérias, que recentemente esteve em cartaz, com a montagem Por que nunca me tornei um(a) dançarino(a)?.

Espero que este artigo deixe vocês curiosos para assití-lo. Assim que ele reestreiar.

Ficha técnica:

Núcleo Artérias – Grupo de Investigação Indisciplinar
www.nadancavila.com.br
Direção : Adriana Grechi
Intérpretes Co-Criadores: Eros Valério
Tatiana Militello
Tarina Quelho
Criação Musical/Performer : Dudu Tsuda
Criação em vídeo/Performer: Rodrigo Gontijo
Concepção de Luz: Décio Filho
Cenografia/Figurinos: Núcleo Artérias
Produção Executiva: Dora Leão