A Intersecção entre Moda, Vida e Arte.
A criação artística já não pode ser mais vista como um fato isolado. Uma expressão pessoal vindo de uma única fonte, dispondo de uma ou duas mídias, com um fim em si mesma. Ela vive, respira e se relaciona com o mundo em diversas instâncias.
Quem diria do conceito de “Obra de Arte”. A contemporaneidade não permite mais essa enaltação hierárquica das expressões humanas, conceitualmente e praticamente. Isto me faz lembrar um professor muito querido da época que eu ainda cursava Ciências Sociais, que reiterou - citando um mesclado de teóricos da pós-modernidade - que na sociedade contemporânea não havia mais cânones, e muito menos um hiato entre a protegida High Culture e a cultura popular.
Estudávamos textos que discutiam o fim do séc XIX e o começo do séc. XX, sobretudo no campo das expressões artísticas, que fervilhavam com a L’Art Nouveau e o embate dentre a música Dodecafônica e o Jazz.
Deixando para trás o excesso de academicidade que este assunto nos reporta, peço que prestem atenção no seguinte: a l’Art nouveau e o jazz de Gershwin faziam uma ponte entre o universo intangível da Grande Arte, e o cotidiano das pessoas comuns, os personagens principais do nosso tempo.
Não que esta relação tenha sido feita pela primeira vez neste período. Não estou aqui para relatar datas precisas de momentos históricos, mas apenas pontuar esta questão que me interessa tanto na moda.
O que isso tem a ver com a moda? Digamos que a moda tenha surgido deste ambiente híbrido de consumo de massa, arte e vida cotidiana, como um desdobramento de uma esfera sobre a outra.
Enfim, chegamos no ponto em questão. Tudo isso foi para introduzi-los de maneira mais harmoniosa no AMNI Hot Spot, evento de moda que aconteceu na semana passada. Vou comentar alguns estilistas, cujo os trabalhos de criação remetem bastante a este campo híbrido.
Vivendo das Aparências
As artes andam cada vez mais híbridas e cada vez mais dependentes desta hibridez. A moda não poderia ser diferente.
Em todos os desfiles, nota-se um cuidado especial com a relação das nuances na trilha com desenvolvimento do desfile. Mudanças bruscas de ambiência sonora dão substância para o surgimento de cores mais escuras numa coleção que começou pastel. E por aí vai.
Ïf, por Lolô e Teca, trouxe uma proposta bastante interessante neste sentido. Como suas roupas são customizadas, a fragmentação em ambas linguagens criou uma unidade conceitual na passarela.
Peças únicas, muito confortáveis, com cores bastante vivas e diversas, na forma de minissaias, blusas e vestidões esvoaçantes. “Busquei fugir das cores pastéis de lingerie, trazendo cores fortes e vibrantes”, conta Teca
Suas peças são feitas a partir de roupas antigas e tecidos com estamparias, que vão de flores a motivos étnicos, dando espaço também para bordados e rendas. Uma verdadeira bricolage de texturas e formas.
A trilha abre o desfile com um ar romântico a partir de uma remixagem de Max Blum, da música Rien de Rien de Edith Piaf. “As roupas são peças sobrepostas e, dessa forma, a trilha não poderia ser diferente”, justifica Teca. “A gente queria um ambiente romântico também, por isso a escolha de Edith Piaf”, continua.
Já Cecília Echenique apresentou um desfile sucinto, discreto e com uma sutileza envolvente. O desenvolvimento de seu desfile foi trilhado por um músico com um contrabaixo acústico, e uma performer envolvida num tecido branco com um microfone.
As nuances de tonalidades e formas das roupas eram os estímulos para a criação das frases melódicas modais, que o contra-baixista Celso Barros executava sob as texturas de vozes de Nathalie Fari. “Eu prestava atenção nas cores das roupas das modelos e criava algumas pequenas variações no tema principal”, explica Celso.
O desfile começou com peças brancas de forma simples e linhas retas. Ele foi gradativamente ganhando fluidez e transparência, e cores mais vibrantes. Vestidos leves, calças tibetanas, blusas folgadas e uma peculiaridade: peças que se moldam ao corpo. “São roupas que podem ser vestidas de várias de maneiras e cada um descobre uma forma diferente o tempo todo”, ressalta Cecília.
No desfile de Simone Nunes, o destaque ficou para a performance final à la cabaré, com direito a mulheres bonitas e desengonçadas. Não sei se propositalmente, mas o descompasso existente dentre a expressão corporal quase nula das modelos e a ambiência festiva proporcionada pela trilha configurou uma grande crítica a idéia de desfile. E com múltiplas interpretações.
Aqui, um exemplo interessante de associação com a linguagem da performance. Mas não foi o único. A marca Magnólia apostou numa direção ainda mais ousada: deixou a passarela e realizou seu desfile num lounge na área de convivência.
O espaço foi criado em parceria com outros artistas que fazem parte do grupo multidisciplinar. Quadros de acrílicos, sofás, objetos de decoração e uma vídeo projeção ambientam os modelos que ficam dispersos junto com o público.
Trazendo o grafismo e a customização para peças simples e comuns como moletons e camisetas, Luciane Mazzer e Ricardo Athaíde fazem do lixo, luxo. “São moletons comuns, roupas que qualquer um pode comprar por aí, transformadas em artigos únicos para apreciação”, conta Luciane. “O que mais vendemos são os artigos de decoração, como os copos, por exemplo. As roupas são ainda criações em pouquíssima quantidade”, continua Ricardo.
Mas, para quebrarmos um pouco esse ar de austeridade que um evento de moda proporciona, algumas pequenas críticas antes de fechar esta coluna. Sim, estamos todos buscando uma maior integração das artes com sua irmã mais nova a moda, mas deixemos de lado os devaneios do universo das colunas sociais. A moda é uma forma de expressão artística sólida, e seu intercâmbio com as demais artes dispensa esse “modismo hype”, que nada contribui para o seu desenvolvimento.
Artigo Publicado na minha coluna mensal do Eletronic Brasil.
3 Comments:
Oi Dudu, a semanas venho acompanhando seu blogger...Gosto muita da maneira como você aborda e relaciona os assuntos!
Queria lhe fazer um convite. Mande o seu email no meu cibelie@terra.com.br - Para podermos conversar melhor!
Da uma olhada no meu site http://www.fashioncorner.com.br
Beijos e sucesso Cibelie
HAUHAUHAUHAUAHUAHUAHUHAUAHUAHUAHUA !!!
HIPER MIJICA É ISSO AE...
Meu nome é Gabriela.
Faço faculdade de Artes na Federal de Juiz de Fora (MG).
Pesquisando sobre linguagens de passarela, achei seu artigo e achei muito interessante a ligação entre arte e moda que vc faz - uma vez que trabalho com moda e me preocupo mesmo com essa interação.
Porém, não entendi o que vc quis dizer com a frase final:" dispensa esse “modismo hype”, que nada contribui para o seu desenvolvimento”.
Será que vc pode me explicar melhor?
Meu e-mail é : gabigonsper@gmail.com
Obrigada.
Espero sua resposta.
Gabriela
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