segunda-feira, setembro 20, 2004

Sonarsound 2004 - Diário de Bordo

SonarSound - Diário De Bordo

É muito difícil apresentar um panorama geral do maior evento de arte eletrônica da América Latina. Mesmo para nós, paulistanos, que vivemos em meio a mostras de cinema e curta-metragens, exposições de arte e tecnologia e artes visuais, festivais de música eletrônica e diversos circuitos de palestras.
Agora, imagine tudo isso junto, em três dias, dimensionado verticalmente num espaço, no mínimo, excêntrico. Sem contar as duas pistas simultâneas no longínquo Credicard Hall.
Não faltaram escadas rolantes, trânsito intenso de pessoas de todos os tipos e apresentações simultâneas e concomitantes. Uma verdadeira metralhadora de informação. Kid Koala que o diga.

Tomie Otake (Diurno)

Como numa mostra de cinema, toda opção implica numa exclusão. Se você optasse por um show, fatalmente estaria perdendo uma seção de vídeo ou um debate. E foi o que aconteceu no meu caso.
A seleção das bandas e Djs que se apresentaram no Sonar foi muito precisa. Nomes de peso do hip hop, música eletrônica experimental de vários gêneros e rock alternativo, variando de Arto Linsay, à Price Po, passando por Akufen, o bizarro Liars e o high tech Golan Levin. Se levarmos em consideração que houveram 23 shows durante os três dias, dá para se ter uma idéia da maratona informacional que foi.
O primeiro dia foi marcado pela presença dos rappers Prince Po e Beans no Hall Stage, e das experimentações multimediáticas da Vj Lia e do artista multimedia Golan Levin.
Destaque especial para Golan Levin, que criou um software de interação áudio-visual, que proporcionava uma performance em tempo real de imagens sonoras. Seus traços e gráficos, ao serem criados, emitiam sons que compunham loops caóticos com uma sonoridade de IDM (Intelligent Dance Music).
No sábado, a sonoridade, mezzo tropicalista mezzo "sonic-youthiana", de Arto Lindsay contrastou com o experimentalismo instrumental do Hurtmold e com o impactante e escandaloso Liars.
O trio de rock de NY arrebentou os tímpanos do público, com seu estilo guitar noise pós-punk esquizofrênico, com influências de disco e punk funk.
Segundo fontes confiáveis, o live de Kevin Blechdom foi muito bom, mas como estava imergido no universo etéreo, e ao mesmo tempo pertubado de Lindsay, não pude conferir.
No domingo, o público foi presenteado com mais experimentalismo eletrônico, com as performances de Fibla + Randomzeta e Akufen, e com os inacreditáveis loops e fritações dos lives do Four Tet e LCD.
E falando de experimentalismo, não podia deixar de comentar o trabalho, entitulado de "Bulbes", do grupo Artifiel. A instalação consistia de uma série de lâmpadas grandes, ordenadas em linhas paralelas formando um quadrado, que acendiam e apagavam, obedecendo uma matriz matemática, controlada por um computador. Os sons emitidos pelo filamento incandescente das lâmpadas eram captados e amplificados, criando uma verdadeira série eletro acústica.
Outras instalações também chamaram bastante a atenção, mas deixo para comentá-las na minha coluna mensal, a Contemporânea.

Credicard Hall (noturno)

O distanciamento geográfico pode ser visto também como parte do evento. Uma espécie de vivência real da caoticidade paulistana. Sobretudo para os gringos e forasteiros nacionais.
Mas todo esforço vale a pena. Depois de um dia repleto de shows e informação de toda a espécie, mais dez horas de música na veia.
Na primeira noite, tudo começou muito tranquilo, com alguns pingados de gente chegando aos poucos e se aglomerando em pequenos grupos. Pior para quem deixou para chegar mais tarde.
Dei inícios aos trabalhos, pegando uma parte da performance do Pansonic, um IDM de responsa, no Park Stage. Na sequência, no Club Stage, o bizarro show das garotas do Chicks on Speed, o Dj set do Ladytron e o show da banda nova-iorquina, o LCD Sound System.
Sem dúvida a noite ficou por conta do pulso da cozinha do LCD S.S., com suas levadas que lembravam pegadas de big beat, funk techno e disco.
A noite seguiu com Dj Malboro e suas esquisitices, e fechou com os esperados Dj set de Mathews Herbert e Ricardo Villalobos.
No sábado, o Park Stage esquentou com as performances do Dj Darshan Jesrami do Metro Area e o live do Matthew Dear.
Seguindo a noite no Club Stage, destaque para os show do Instituto + Dj Dolores, Prefuse 73 e o insano, Kid Koala. Infeliz de quem optou por ficar na outra pista e perdeu um dos mais impressionantes djs do mundo.
As projeções pararam, e as câmeras fixaram seu foco nas três pick ups do dj canadense que, além de tudo, toca sem fone de ouvido. É o tipo de dj set que as pessoas não dançam. A legião de músicos, djs, vjs e artistas em geral que estavam presentes, voltaram toda a sua atenção para as imagens em fast motion de sua performance.
Uma velocidade inacreditável de mudanças de disco, mixagens, bootlegs, scratches e alterações na equalização do mixer. Solos de trompete garimpados ao vivo de discos de jazz, tocados sobre bases fragmentadas e das sonoridades mais diversas. E tudo isso com o detalhe especial: alterando a velocidade de rotação da pick up, ele achava as notas desejadas e improvisava verdadeiras frases de jazzman.
Depois seguiu o show do Dj Patife + Trio Mocotó, e os palcos enceraram expediente com nada mais, nada menos, que Laurent Garnier e Marky.


Texto Publicado no dia 14/09/04, na Capa do site Eletronic Brasil