sábado, outubro 08, 2005

Meu Ditchan era da Pesada

N aquela época, lá no início do século, vinte anos antes dos anos 20 do século XXI, as pessoas viviam em espécies de vilas virtuais dentro da antiga São Paulo. Eu falo de sampa, pois foi lá que eu nasci, e foi lá também que a minha vila nasceu e cresceu pro mundo posteriormente.
Mas já tinha portal de tele-transporte, ditchan [1]? Não. Os físicos da época ainda não concebiam transformar matéria em eletricidade e usar os cabos óticos como hyper-ruas [2], que até 2015, eram usados para transmitir dados da internet antiga... Mas isso é um outra história...

Então, voltando, onde eu estava mesmo? Nas vilas virtuais, ditchan. Ah é, nas vilas
virtuais. Bom, tínhamos esse grupo de amigos que viviam na cidade e que faziam música. Eram tantas bandas, que a gente criava, e depois virava outra coisa, e depois outra coisa... Às vezes, simplesmente acabava. Tiveram alguns amigos que morreram, outros que iam casando, ficando velhos...

Tá bom, ditchan! Isso eu já sei. Mas o que o senhor fazia quando ainda era jovem, tinha lá uns 20 anos, que nem a minha prima, Sofia? Bom, isso foi de 2000 até 2010, quando eu fiz 30 anos... Foi a época de auge do nosso grupo de amigos! É o que eu posso chamar de minha época.

Éramos em vários. Tinha músicos, jornalistas, fotógrafos, artistas plásticos, videomakers, dançarinos, enfim, muitos artistas que se viam com freqüência em festas, shows e espetáculos à fora. Nem sempre eu conseguia ver todos os meus amigos... Mas a gente sempre tava se falando por telefone, e-mail, ou se trombava nas ruas mesmo. Telefone? É telefone... Um tipo de aparelho antigo, que a gente só se falava e escutava, sem ver nenhuma imagem. E esse era o barato dele! Dava pra mentir pra algum trabalho chato que você tava doente, mas também era legal de ligar pra uma garota que tinha alguma paquerinha, e ficar imaginando a cara que ela tava fazendo... Tentar adivinhar se ela estava gostando da conversa... Tinha mais romantismo nas comunicações... Ainda dava pra ter mais sossego, dava pra falar que tava no banho e que depois ligava... Era uma maravilha!!! Hoje, não dá nem pra ir no banheiro sem colocar o tal do mardito óculos neutralizador de eye connect[3].... Vê se pode!!!




Bom, voltando a minha história... Ah! Lembrei de uma coisa muito legal... A gente brincava que era a turma dos Medievais, mojicas e afins... Toda esta história de mojica pra lá, mojica pra cá, medieval e tudo mais, veio de uma mania que a gente tinha de ficar inventando palavra nova.

O Mojica mesmo era um cineasta bem mais velho que o ditchan, devia ter uns 60 anos naqueles tempos. Ele era famoso por seus filmes maravilhosos de terror trash, tipo de coisa que já não se faz hoje em dia. Foi um dos poucos brasileiros cineastas que tinham reconhecimento internacional. O cara era um verdadeiro astro. Na verdade, a nossa expressão mojica, pouco tinha a ver com o cineasta, a não ser por ser a mesma palavra. Mojica, pra nós, significava algo improvisado, ingênuo, feito sem intenção, atrapalhado... Do tipo: você conheceu a Branca? Ah, sim, claro, ela é muito mojica, super bacana, adorei as pinturas mojicas dela... Bom, resumindo, uma pessoa mojica sempre é uma pessoal interessante e ótima para festas. Mas também podia significar que algo não era muito bom, ou não estava em perfeito estado... Isso a gente dizia do sistema de som de algumas casas de show que a gente tocava: O lugar é legal, tem um público bom... Mas o som é bem mojica!



E por aí, veio o medieval, que também tinha esta multi-significação crônica, e estava relacionado a pessoas e a lugares e objetos. Você podia estar medieval de várias maneiras... Podia ser que você estava louco, meio bêbado e lesado de fumar um beck, e aí você dizia: Tô muito medieval! E saia cambaleando com uma lata de cerveja pela metade. Neste mesmo sentido, uma festa que estava medieval era uma festa das boas! Tiveram tantas... Tio Pedrão, Tulipa, Junio Barreto, Chico Sá, Brenda Lígia, Marcelão, Pancita, Silvião todos sempre estavam nas festas, e sempre estavam medievais. Bons tempos, aqueles!



Ah, é claro, já tava me esquecendo... Tinha o desquitado! Você podia estar um pouco cansado, meio com sono, e dizer pro seus amigos: Gente, vou indo nessa, pois estou meio desquitado, e amanhã eu tenho que acordar cedo e tals... Ou então, estar naquela fossa pós-briga-debate-conjugal-e-fatal-desquite-depois-do-segundo-tempo, e ficar meio moribundo, vagando pelos cantos, reclamando da vida, dando aquele arroto silencioso clássico... Isto porque o desquitado autêntico tem gastrite ansiosa, e vive falando do ex-marido ou ex-mulher em meio aquelas pausas com cheiro de geladeira. Ai ditchan! Credo! Credo nada! Você vai crescer um dia e vai saber o que é isso!


Não tinha uma pessoa que não se contaminava com essas palavras, e começava a usá-las no seu vocabulário cotidiano. Tinha até uma comunidade num tal de orkut, que se chamava Medievais, Mojicas e Afins, cujos participantes em algum momento de sua vida, já haviam passado carnaval na lendária e querida cidade de São Luís do Paraitinga. Teve até um carnaval, que uma amiga maluca do ditchan, a Fernanda Couto, sabe aquela senhorinha que veio em casa na Páscoa? Aquela bem legal que trouxe doce? É, ela mesma... Então, ela comprou umas espadas, cuja denominação na etiqueta do preço dizia: Espada Medieval.



Orkut, ditchan? É, orkut... Nome estranho, mas muito popular naquela época. Tinha até um ditado de um amigo das antigas, o Tatá Aeroplano, que dizia que “Orkut de bêbado não tem dono”, mas você é muito jovem pra entender essas coisas. Isso me fez lembrar do Jumbo Elektro, lembra que eu te contei uma historinha de uma banda que o ditchan tinha, que era muito engraçada, lembra? Acho que das banda que eu participei, foi a que fez mais sucesso... Tinha eu que tocava teclado, o Tatá que era o cantor, o Isiman que era baixista, o Setão que era baterista, o Gunter apavorando as nossas groupies e o Ozório e o Fernandão nas guitarras. Quanto nome estranho? É que você não viu os nossos pseudônimos de palco: Dimas turbo, Frito Sampler, Otto Vander Vander, General Eletric, Dr. Gory, Lê Cheval e Hans Sakamura. Ele era japonês também, ditchan? Quase isso. Nas palavras do General: Ele era um típico descendente de japoneses e prussianos! Mas o que é prussiano? Ai... Akira, isso já uma outra história.



(FADE OUT)

A Alemanha, antes de ser Alemanha mesmo, se chamava Prússia ...

Sobre o autor desta crônica:
Dudu Tsuda é mojica, ex-desquitado e medieval nas horas vagas. Adora festas, pessoas simples e seus queridos avós.



[1] - Ditchan significa vovô em japonês.
[2] - Invenção da HP datada de 2015 que permitiu o uso dos cabos óticos como vias comunicacionais dentre os portais de tele-transporte. Hoje, já não se usa mais cabos óticos, mas durante muitos anos (e ainda em lugares mais pobres do país) sua utilização foi fundamental na implementação da tecnologia de tele-transporte.
[3] - Eye connect é uma ferramenta do Virtual World Windows Home Assistence 2045, de autoria do Bill Gates Junior, que permite você conectar o seu olhar no Virtual World Interface, podendo gravar vídeos ou mesmo transmitir as imagens dos seus olhos ao vivo para outros usuários.